MINHA VIDA É UM PALCO

MINHA VIDA É UM PALCO
Somos como atores neste palco que é o mundo, as cenas são os dias e noites, e o roteiro quem escreve é a VIDA!A vida depois dos 60. É começar novo, novos horizontes, um mundo diferente e muito mais LEVE! A gente está sempre começando, sempre aprendendo...E aos 60 anos, a gente nasce de novo! A minha Infância da Maturidade! COMO SERÁ NOS 70?Na minha ADOLESCÊNCIA da Maturidade...CHEGUEI! Cheguei chegando imaginando a vida toda...70 ANOS! BÓRA LÁ QUE A VIDA TÁ PASSANDO!!!E até uma PANDEMIA!Nunca pensei ...De repente, ficar presa em casa, sozinha. Se sair, o CORONA VÍRUS pega. Horrível todo mundo sem se tocar.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

IVO RODRIGUES, O PRIMEIRO GAY OFICIAL DO BRASIL





                                            Achei esse retrato, essa raridade, numa postagem de um amigo que leu minhas histórias e me mandou. É da década de 60. TAÍ o IVO, de vestido comprido, lindo, a moça ao seu lado não sei quem é, mas a história dele que eu conto no meu conto de dois anos atrás é DE VERDADE! o CAUSO É LONGO, mas TUDO foi bem verdade!


                                        O PRIMEIRO GAY OFICIAL DO BRASIL

Minha sobrinha quer que eu vá ao cinema com ela. Está passando um filme de uma surfistinha com o mesmo seu nome, Bruna.
Vou pro Google, saber detalhes, tem que ter muito cuidado, e se for pornografia? Esse Google...meu melhor conselheiro, informante, posso chamar de amigo, tira todas minhas dúvidas. Achei tudo que precisava, a Bruna do filme é uma mocinha que resolve ser prostituta, dá muita grana. Detalhe: a mocinha é classe média, mas estava se dando mal na escola particular, os pais cobrando notas melhores, a garota trocou estudo por baladas e concluiu que a mais antiga profissão do mundo dava muita grana – e não precisava de diploma. Programa com quem pagasse bem, corpo bonito, pra que passar trabalho e queimar neurônios? Uma reboladinha, a ganhava mais que o pai e a mãe...Ficou rica, a Bruna do filme. Não levo minha Bruna pra ver isso. Polêmica em vista: como pode influenciar as cabecinhas das nossas menininhas essa sugestão de dinheiro fácil? Prostituta fina. Garota de programa. Isso me fez lembrar de uma história que presenciei.
Muita paciência, que o causo é comprido:
Minha família morou sempre na fronteira da Argentina, Uruguaiana, Rio Grande do Sul, lá não tinha essa coisa de garota de programa, ou era virgem, moça de família ou era vagabunda, mulher da vida. Se alguma mocinha tivesse um caso consumado – que hoje dizem “ficando”- ou casava ou o pai botava pra fora de casa. Ela, a ex-virgem, só achava refúgio nas casas de meretrício, cabarés tipo “Bataclã”, da Gabriela do Jorge Amado. Ou coisa pior. Minha tia era costureira, das boas, tinha muitas clientes, eu ficava sentadinha ao lado da máquina, aprendi a costurar assim, olhando os panos que se transformavam em obras de arte. De manhã, eram finos tecidos de Paris, Buenos Aires, Rio e São Paulo, para as esposas de estancieiros, vestidos longos cheios de frufrus para as filhas debutantes, cetins e rendas para as noivas, que pareciam princesas, como Daiana, a da Inglaterra, a maravilhosa exemplar que morreu num acidente com o amante – não gosto de
princesas, prefiro plebeias, são mais verdadeiras. Tudo era com hora marcada no ateliê da minha tia: de manhã, eram escolhidos e provados os vestidos das senhoras da sociedade e de suas ricas filhas, das tradicionais famílias da região. À tarde, chegavam as outras, também mulheres dos estancieiros, as filiais, as mulheres da vida - essas eram muito alegres, muito pintadas, roupas decotadas, eram as chinas - nenhuma mulher de família falava com elas nem elas com as de família. Eu era criança, ninguém se importava comigo, eu ficava muito quieta ou me mandavam pra casa. Ficava brincando de fazer roupa para as bonecas, mas meus ouvidos bem abertos e meus olhos espiando todo o movimento. Sabia que as chinas trabalhavam de noite e dormiam de manhã, via que chegavam de carro de praça, os táxis de hoje, com lenços na cabeça, entravam correndo, não gostavam de serem vistas, eu até pensava que tinham alguma doença. Já dentro do ateliê, eram pessoas tão iguais a qualquer outra mulher, e pagavam muito bem pelos vestidos, davam gorjetas às ajudantes, traziam presentes pra todo mundo. Foi aí que conheci o Ivo.
O Ivo foi o primeiro gay público do Brasil. Lá na fronteira chamavam de “fresco”. Nada de drag queen, homossexual, travesti, gay, era fresco mesmo, e ninguém ia preso por isso. Então, o Ivo era O fresco mais famoso do Brasil, ele morava num palacete rosa, bem em frente à Delegacia de Polícia, diz-que o quarto dele era forrado de espelhos, tinha cama redonda, tudo cor de rosa, cheio de bonecas de louça, trazidas da Europa. Eu ganhei uma boneca, ele mesmo me deu, e falou “não diz que fui eu”e eu nunca disse, como se o presente fosse da minha tia. Eu não sabia bem qual a diferença, mas o Ivo era um homem que se vestia de mulher, só de noite, na casa dele. Chegava para experimentar seus vestidos sempre à tardinha, numa carroça que chamavam de Vitória, uma meia cabine alta de lona preta, daquelas de “O Tempo Levou”, com cocheiro de uniforme no banco da frente, dois cavalos gordos bem tratados, arreios de couro lindos, com franjas. Ivo era um homem grande, pesado, dois metros de altura, cabelos ralos, uma boca com beiços imensos, olhos claros, puxados,
ninguém nunca soube sua origem, ele usava roupas de homem, muito largas, alpargatas argentinas. Dizem que foi criado por um estancieiro muito rico que lhe deu uma educação francesa, daí os gestos tão refinados. Tinha um grande desgosto e uma grande vergonha: era analfabeto. Ficou muito emocionado quando eu aprendi a ler e li pra ele uns poemas, ele sentado num banquinho, tão meu admirador, minha tia costurando um vestido de veludo roxo, cheio de fendas de onde saiam babados de tule rosa choque. E tinha quinze perucas, uma de cada cor, e milhões de sapatos número 54, de plataforma, quase todos dourados, obra de um sapateiro da capital, ou Novo Hamburgo, a terra dos sapatos, e ele vestia a roupa e desfilava, imenso, glorioso, anéis cintilantes e coloridos, batom bem vermelho nos beiços carnudos, nos vestidos mandava bordar flores, trazia figurinos de Pelotas, pedrarias, plumas e paetés, as bordadeiras trabalhando, eu maravilhada, ele foi meu super-herói, um monstro que se transformava em borboleta, podia tudo, fazia tudo. Depois, eu cresci, não podia mais ficar à tarde na minha tia, já sabia o que eram chinas e gays, até meus vestidos eu experimentava pela manhã. Porém a história do Ivo sei contar até o fim.
O Ivo, na rua, sempre na carruagem, era um homem furioso. Tinha um facão pra bater em quem o ofendesse. Naquele tempo, preconceito, discriminação, se resolvia na porrada. Mas o maior respeito não foi conquistado no facão. Foi pelo trabalho social. Ajudava rapazes que queriam estudar e não tinham condições, muitos em universidades na capital. Abrigava as meninas que ficavam nas ruas, as perdidas, que os pais jogavam na sarjeta e a sociedade simplesmente excluía, como se fossem leprosas. A única saída era a prostituição, até por um prato de comida. O Ivo ia às ruas, pegava essas meninas, levava a médico, tratava as doenças, dava roupa, casa, comida, se quisessem, podiam ir embora para estudar em outras cidades, começar vida nova, muitas saíam casadas, uma delas foi minha colega de escola e hoje tem os filhos todos muito bem encaminhados. As mulheres que trabalhavam na noite, a maioria era
profissional que vinha de grandes centros, quando ficavam velhas, tinham até aposentadoria como empregadas. A cidade respeitava o Ivo por isso.
O cabaré do Ivo era visita obrigatória dos grandes políticos da época, Perón, presidente da Argentina, tirou foto com o dono da casa, artistas, cantores, a Casa Rosa – nome que eles deram - era o principal ponto turístico da cidade.
Passaram-se os anos. Com a decadência dos cabarés, que passaram de moda, e com o surgimentos das garotas de programa, as“surfistinhas”, a Casa Rosa fechou. O Ivo mudou-se para uma casa grande no subúrbio, passou a dar refeições para pessoas carentes, roupas e material escolar para crianças pobres, até que ele também ficou carente, sobrevivendo de caridade.
O primeiro homem a se assumir publicamente, oficialmente gay, no Brasil, chegava ao fim. Morreu pobre, abandonado também por aqueles que ele ajudou a se tornarem doutores, os ingratos.
O Ivo se transformou numa lenda. O túmulo dele, construído por amigos verdadeiros, hoje tem velas e pedidos, como pra um milagreiro, tem as bonecas, almofadas, muitas mensagens de agradecimento, sempre cheio de flores. E eu recordei dessa lenda pensando nas meninas que estão por aí, deslumbradas com a juventude do corpo, pela celebridade momentânea, muitas amargando a exploração dos agenciadores, sem um Ivo para salvá-las...
E a minha Bruna pode espernear, se quiser, pois o filme da surfistinha ela não vai ver.