A Mirinha sumiu. Fez igual a uma outra amiga minha que em pleno fevereiro deixou a praia do Cassino - apenas uma mensagem no celular: "Fui viajar." - e eu ligando até pro diabo, nada... Pensei até em sequestro. Uma outra amiga desconfiou que ela - não a Mirinha, a outra - tivesse ido pra Buenos Aires fazer um aborto. É isso que acontece quando as amigas somem sem dizer para onde vão. Dias depois, ela voltou, com uma cara de safada, até hoje não contou, desconfio que foi algum "encontro secreto".
Eu também já fiz uma dessas,viajei para Santa Maria e não avisei, minhas colegas de escola - as amigas- que tinham a chave da minha casa, foram lá, depois de dois dias sem eu dar as caras, com medo de entrar e achar a véia mortinha, durinha...Ainda bem que a casa estava vazia, arrumadinha, cachorro com água e comida...Foi quando de SMaria liguei pra escola para saber como andavam as coisas...recebi por telefone tanto desaforo, onde se viu fazer uma coisa dessas...ligamos até pra Austrália...E eu na casa das titias, bem inocente...
Mas voltemos à Mirinha... Os filhos achavam que ela estava na minha casa, ligaram para dizer que a conta da Net tinha chegado, e eu assim, sem saber o que falar, só fiz hum hum e desliguei.Meus neurônios, por sorte, voltaram a funcionar. Se fosse eu...Porto Alegre, RS, hospital, talvez Ernesto Dornelles, CPERS ao lado do Plaza São Rafael...A Mirinha tinha falado em fazer exames, o plano de saúde é o IPÊ, só tem no Rio Grande do Sul...Antes de dizer o que estava pensando aos filhos,liguei pro CEPERS, o hotel das professoras do Estado, do nosso sindicato, o Wanderson da portaria, muito meu conhecido: "Olá, professora, tudo bem? E o nosso Colorado, hein? Show de bola."
- Meu moreno alto bonito e sensual, sabes se a Mirinha está no ap? - O Wanderson é um alemão baixinho, feio e muito barrigudo. A qualidade maior é ser Colorado.Com voz de FM, falou:
" Está, chegou ontem e disse que está muito cansada, é do ap pra cantina e pra sala da TV, e fala sem parar, já deu um cansaço em todo mundo, fazia muitos anos que não aparecia, agora está rica, cheia de novidades, mora em Curitiba..."
Então me dei conta que o Wanderson não sabia de onde eu falava, eu tinha estado no CPERS de POA há dias, em agosto.
- Passa ligação pro ap dela, meu negão, quem sabe consigo falar com ela, é muito importante...
" Aquele abraço, professora." Mal tocou, Mirinha atendeu:
" Eu sei quem está falando, só uma pessoa poderia me achar aqui tão rápido...garanto que o pessoal daí já deu até parte na polícia..."
- Mirinha, sua louca,me meteste numa enrascada, teus filhos acham que estás na minha casa e tu aí, fervendo! Sabes que chegou tua conta da NET? Eles me ligaram, avisando!
" Viste? Nem perguntaram como estou me sentindo... Só sirvo pra pagar contas..."
A ficha caiu. Novamente meus neurônios responderam. Mirinha está com a 'Síndrome NPMN' - é a Síndrome de Não Presto pra Mais Nada. Tenho visto muitos aposentados assim.
- Tá bom, Mirinha. Me diz o que vais fazer agora.
" Agora eu vou ao protesto em frente à SEC, é uma vergonha esse nosso salário."
- E depois, Mirinha?
" Tem um show do Tim Maia no São Pedro."
- Tim Maia morreu e São Pedro é um Hospício...
"HALOUOOOO...É no Teatro São Pedro, Tributo a Tim Maia, ou coisa assim. Pagaremos só meia, vamos umas vinte"
E eu gastando...Preocupada...
- Quando fores te internar no Ernesto, me avisa, ou chama teus parentes daí pra te acompanharem.
Desliguei. Que raiva. Vou ligar para os filhos dela e avisar. Mas... avisar o que? Que a Mirinha foi fazer exames, que está doente terminal, que está numa passeata, que vai ao teatro e talvez no Ocidente, lá no Bom Fim?Que a mãe é uma desvairada e que eles são uns alienados? Ou não?
A vida começa aos 60 anos. ATUALIZANDO...a vida começa aos 74. Agora, já estou com 75. A pandemia do Corona Vírus passou. A COVID se transformou em doença, que precisamos tomar vacina todos os anos, o vírus se transformou em coisa igual sarampo. POR ENQUANTO, estou escrevendo, copiando crônicas que escrevi nesses tempos de estranheza numa realidade de idosa. QUANDO eu ficar velha, talvez não tenha vontade de escrever mais.
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