NESTA
VIDA TUDO É SEXO
Oi, eu sou Bella, nascida antes da década
de cinquenta, professora aposentada, viúva, quase virgem de novo, sem cachorro,
moro sozinha, a vida é minha! Finalmente posso ler quanto quiser, na hora que
desejar, sem horários a dirigir minha vida. Li quase todos os clássicos, de
românticos a realistas, nacionais e estrangeiros, alegres e brochantes, enfim,
agora quero ler só para me divertir. Adoro best seller com todas as novidades da
lista dos mais vendidos. Inclusive, com tantos comentários sobre um tal de 50
tons, fiquei curiosa. E minha sobrinha advogada ganhou um volume do namorado,
também advogado, muito sérios, ela disse: “Tia, é bem teu tipo, vais gostar” –
fiquei meio-assim, advogados, deve ser coisa de leis, aquelas teorias
chatas...Mas fiquei bem curiosa por ela ter dito que era do meu tipo. Qual é
meu tipo?
Voltando pra casa, na livraria do
aeroporto, o livro “do meu tipo” me olhou como dizendo “me compra”. Comprei.
Comecei a ler no avião. A cada
página, o vermelhão da minha cara e uns calores no corpo, olhei para os lados,
vá que alguém me pegue com o livro, escondi a capa com uma revista da Tam, a
aeromoça me perguntava se queria uma bebida, pedi “com bastante gelo”, e o
homem do livro continuava mexendo os dedos, a mocinha do livro desmaiando, bem
o que estão pensando, o pior é que eu não podia parar de ler.
- Senhora, chegamos – a aeromoça me
chamava e eu dentro do livro – nem vi que o avião estava vazio, a leitura me
envolveu demais.
Já em casa, nem abri a mala e me
joguei na cama, sempre lendo o romance “bem o meu tipo”, quando toca o
telefone:
- Mãe, como foi de viagem? Que estás
fazendo?
- Estou toda molhadinha.
- Que é isso, mãe? Compraste alguns
aparelhinhos? – ela sempre pensa que uso coisas, sabe como é, sou viúva, fico
só na imaginação.
- Nada, filha. Estou lendo um livro
que tua prima me recomendou, o hit da moda,campeão de venda, são três volumes,
estou no primeiro, tudo que é mulher
anda lendo. É a história de um homem lindo, bilionário, um CEO, tarado total,
acho que tem um trauma, pois dá palmadas na namorada, tem milhões de algemas, um
quarto erótico cheio de coisinhas interessantes e sádicas...
A pobrezinha da minha filha nem
sabia da existência desse livro, é professora, tadinha, passa o dia ensinando
os filhos dos outros, chega em casa tem o próprio filho e o marido pra
organizar, nem tem tempo.
- É, filha, tens que te atualizar,
essa leitura é trilegal, sexo total, bem que sempre te falei que tudo na vida é
sexo.
- Mãezinha querida – aí vem bomba,
pensei ao ouvir o “inha querida”- vai caminhar, sai de casa, vai pra
hidroginástica, ou pra psicóloga, ela te entende, toma teus ansiolíticos, para
de pensar nessas coisas – para os filhos, depois dos sessenta parece que me
aposentei da cintura pra baixo.
Fechei o livro. Por pouco tempo.
Abri o livro. Atravessei a noite lendo.
Precisei de um esforço para me
manter acordada. A mocinha não era mais
virgem, nem usava mais calcinha, para poupar tempo, o moço bonito muito bem
dotado de todas as qualidades, uma felicidade só, os dedos sempre exercitados.
No
outro dia, falei do livro – melhor, do que dizia no livro – para minhas
coleguinhas todas como eu, mais de sessenta, uma briga pra quem vai ler
primeiro, fiz um rodízio. A Candinha ficou dois dias, devolveu, disse que não leu, é muito comportada, mas
tenho certeza que leu, sim, anda toda alegre...e o marido dela também. A
Rutinha também disse que não vai ler, mas eu sei bem que mandou pedir pela
internet os três volumes, só não quer dar o braço a torcer que está
entusiasmada por umas bolinhas de prata, que também comprou pela internet. A
Miriam devolveu, disse que não é a leitura do tipo dela, mas que fez um
sacrifício – e também leu tudo. Mas a Dorinha assumiu que leu e gostou.
Erótico, não pornográfico, falou. Uma nova visão das relações. Concordo. Pelo
sucesso desse tipo de leitura nos dias atuais, ( meu tipo, de acordo com a sobrinha), renovei
minhas ideias.
Desta vez, minha teoria fica
provada: Tudo é sexo nesta vida bela. Vejamos: por que esse cuidado excessivo
com o corpo, com a roupa, o perfume, os cabelos? Pra ficar em casa? Não e não.
É pra chamar a atenção de determinada pessoa, o caçador, a caçadora, que estão ali,esperando...
Aquele biquíni pequenininho, comprou pensando em quem? As langeries cada vez
mais ousadas, usar pra quem? Um carrão, o som bem alto, excelente pra chamar a
atenção para quem está dentro, o caçador. E tem esmaltes coloridos, calças
muito justas, decotes, brincos imensos, aquela mexida no cabelo, olhares com
faíscas, finalmente a química que rola entre duas pessoas, como um instinto
animal. É o “OLHE e PEGUE”, “estou aqui, veja”, a incessante busca do parceiro
ou parceira, até o fim dos tempos. E a música? Tem algo mais erótico que o
funk? Só o bolero, quando a gente
dançava com o rosto colado e com todo o corpo assim, encostadinho, ai como era
bom! É isso mesmo: Sexo. A mais explosiva e democrática das artes. O exercício
natural para a salvação da raça humana.
Depois dessa inegável justificativa
de minha teoria “Tudo é Sexo”, a constatação de que Freud
continua atual, a libido – o impulso sexual, a energia vital do ser humano – é
quem manda na nossa vida. Em todas as coisas que fazemos, está lá, o sexo. Não só em cinquenta tons. Até me desconcentrei
do que estava falando.
“Os sentimentos são maiores que
nossas ideias”- um pensador falou. Realmente. Mexe demais. Com as ideias. Com
os sentimentos. E com o corpo, é claro.
(Conto 1 dos Talentos da Maturidade 2013)
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