- Será melhor ser enterrada a 7 palmos no chão, entrar numa gaveta de concreto ou ir prum forno, bem cremadinho, virar um montinho de cinzas?
Ficamos literalmente de boca aberta, logo no começo do happy hour, todo mundo com um chopinho ainda de colarinho,a música recém começando e a Mirinha saiu com essa.Parecia Dona Morte agourando, só faltava a foice.
- Qual é a tua coroa,tá zoando? - era o Denizardo, o mais novo no grupo, um carioca folgado, com fama de pegador, só na gíria pra parecer malandro.
Mas a Mirinha veio pronta, deve ter passado o dia todo imaginando um assunto pra despertar a galera. E despertou. A cada rodada, mais um argumento, a Lelê, que é juíza aposentada, assumiu a coordenação da bagunça- cada um queria dar sua opinião.Depois, teria a votação pra ver qual a melhor opção de ou parede,ou terra, ou fogo pra liquidar com o esqueleto.
Um minuto de silêncio. Começam as inscrições. A Cidinha levanta a mão, já teve câncer, se acha autoridade em escolher funeral, quase bateu as botas quatro vezes:
- Primeiramente, vamos pensar na saúde do Planeta!
Levou uma vaia,pensaram que ela ia falar duas horas, mas não, é que Cidinha é vegetariana e já foi do Green Peace.Continuou a Cidinha:
- Temos que lutar pela cova rasa, aquela no chão,servir de adubo para a terra. Pensem em quantos bichinhos vão nos comer e fertilizar o solo!
- Que nogento isso-a Lelê revirou os olhos, os cílios postiços meio tortos, o cabelo parecia um capacete, colocou as mãos nas tetas e lascou - os vermes se alimentando destes peitinhos...
- Prefiro ser comida em vida- gritou Lurdeca, a taradinha da turma.Um moreno alto,bonito,sensual-e enviasou os olhos para o Jorge Antonio, que pra se escapar, pediu a palavra:
- Sou agricultor, cada corpo na terra é pasto verde!Pó ao pó!- Até o vizinho de mesa, o de nariz vermelho, ouviu PÓ e se assustou.
Já na quinta rodada de chopp, até Tenório, nosso velho garçom,bateu na mesa e a Lelê, a juíza, concedeu-lhe a palavra:
- Morreu, morreu.Quem garante que vão me dar um túmulo ou me cremar? É tudo muito caro, vão é me enfiar na parede, uma caixa de cimento,os parentes choram no dia e depois, nunca mais. Não pagam o aluguel da parede,os ossos que aproveitem pra fazer dentaduras...
- Por isso, voto na cremação. Tudo higiênico,bota no forninho, as cinzinhas num potinho, espalha no jardim, pode ser aqui mesmo. Nada de comprar terreno no cemitério, buraco na parede, isso de cova na terra os sem terra ficaram com tudo-foi a vez do Toninho, é muito delicado, fala tudo em inho,riquinho.
Nessas alturas,a juíza Lelê batia com o copo na mesa, todos falavam, ninguém seguia a ordem. Mas bem que fizeram silêncio quando a Mirinha se levantou e acabou a discussão:
- Eu quero é morrer como a Joana D`Arc,num baita fogo!
O fogo da Mirinha já sabem qual é... E foi mais uma rodada! Todos batucando na mesa "Garçom, aqui nesta mesa de bar..."
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