Coroados. Casa de praia reformada. Tudo novo.Eleninha também. Só fala naquilo.Fase da Loba.
Eleninha tomou o café da manhã que não tem café, um iogurte apenas. Quer manter a cinturinha assim, tipo violão, um biquíni daqueles, bem pequenininho, um triângulo equilátero na frente,barriga nenhuma, um triângulo isósceles atrás,um bumbum de propaganda de jeans, tirinhas ligando pontas com lacinhos tomara-que-me-desatem.Tapando os bicos dos seios, mais dois triângulos minúsculos suspensos por outras tirinhas, também aqueles lacinhos, esperando que puxem...Ninguém diz que está nos ENTA, nem que tem filha formada.Fartos cabelos ruivos, sardas na medida da pele muito branca.Giselle Bunchem morria de inveja, se visse...Mas quem viu foi o vizinho.
O vizinho passa todo o ano rezando pra chegar logo o verão.Everaldo, viúvo, um morenão de encher uma porta, parece um busto de nega baiana na janela, na espera que Eleninha dê as caras.Já estão no terceiro verão, ela passando e ele olhando. Deve pensar que é muita areia pro caminhão.Lá vem ela. Ele deve ter pensado é hoje que me encho de coragem e convido Eleninha pra tomar um sorvete. Eleninha podia pegar outro caminho pra praia, mas tem que passar bem na cara do Everaldo, saltitando nas pedrinhas da calçada.Lá vem ele, ela pensa, é hoje, os triângulos todos nervosos. Eleninha faz três verões que aguarda o ataque.Separada, na falta, e o vizinho só olha e cumprimenta. OPA! Lá vem ele...Eleninha vira estátua. Everaldo, coragem, agora ou nunca.
- Olá, vizinha, chegou o verão!
- Oi, vizinho, como está você?
Ele fica bem na frente dela, como é grande, como é alto, apertando os olhos verdes na luz do sol.Vai convidá-la para um sorvete.Abriu a boca e saiu:
- Estou no maior tesão. Quero te comer.
"Tá, Eleninha, conta o resto, três anos desfilando na frente do Everaldo,o cara só podia explodir, sabe comé, homem pensa com os testículos, queria dizer sorvete,apenas expressou a ideia fixa"- a turma da praia esperando o desfecho. Ela diz que não aconteceu nada, que se assustou, um horror. Mas já avisou que este ano vai passar também o inverno em Coroados.
"Sozinha?"perguntei.
- É. Estou numa fase de introspecção.
Sei.Mudou de nome, a fase boa:Introspecção.
A vida começa aos 60 anos. ATUALIZANDO...a vida começa aos 74. Agora, já estou com 75. A pandemia do Corona Vírus passou. A COVID se transformou em doença, que precisamos tomar vacina todos os anos, o vírus se transformou em coisa igual sarampo. POR ENQUANTO, estou escrevendo, copiando crônicas que escrevi nesses tempos de estranheza numa realidade de idosa. QUANDO eu ficar velha, talvez não tenha vontade de escrever mais.
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