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Foi uma noite de terror. A amiga de uma amiga contou.
Fiquei muito impressionada, Dona Maria teve toda razão em se preocupar. E se....Pode acontecer com qualquer uma de nós, fechada em casa, pensando, afinal, pensar é muito importante.
E se...
Mas o pior de tudo é que pode bem acontecer e ter um final diferente. Depois desta história, já avisei aos filhos que não deixem me levar pro hospital. Quero morrer em casa. Aliás, não quero morrer, mas quero ficar em casa.Sério, não estou brincando. Fique em casa, então, fico em casa!
Estamos numa guerra, e minha turma é igual à da resistência francesa na segunda guerra. Agimos nos porões da consciência. Estamos sempre imaginando o que pode acontecer.E se... o que fazer se infectada pelo inimigo?
Esta é a história:
Dona Maria. Idosa, grupo de risco, 70 anos, cardíaca, hipertensa, mora sozinha.Aqui, em Curitiba. Tem EcoSalva, se tiver alguma coisa, chama a ambulância e tem atendimento, já passou por isso e foi tudo bem, os vizinhos ficaram curiosos, será que está com coronavírus? Não, ainda bem, apenas a pressão andou subindo.
Agora, estava bem. A filha mora longe, com o marido e três filhos pequenos,longe daqui a umas duas horas de viagem. A filha e o marido se revezam nas noites para cuidarem dos filhos, trabalham cada um uma noite, então, a coisa dá bem certinho.
Estava tudo controlado como quer a família, os amigos e os olheiros. A velha é bem tranquila, vive se queixando que está mofada, nem na igreja pode ir. Pior ainda, é o bingo: não tem bingo.Então...até aí, tudo igual pra tudo que é velho, fique em casa é um mantra.
Em casa, sim. Sozinha, nunca. Todo mundo diz isso, mas Dona Maria está sempre sozinha. Não tem o que fazer, fica no whats,vendo bom dia, boa noite, mensagens de que tudo passa. Tem dias que liga para as amigas ou está sem saco e faz palavras cruzadas. Na TV, toda hora é pra dizer quantos morreram lá fora, Covid 19, quantas camas ainda tem ou não tem mais cama, quem quiser morrer não vai poder, nem caixão tem mais. Melhor ficar no Zap Zap.
Dona Maria tem hora certa pra tudo, principalmente para tomar remédio. E também pra falar com a filha e os netos. Com o isolamento e a prisão em casa, Dona Maria é bem organizada, não incomoda muito a família.
Só que...ontem foi a noite do terror.
Dona Maria vai falar com a filha, vídeo no whats, ainda bem que tem isso, as distâncias não existem mais. Poder enxergar os netos todas as noites, brincar com os anjinhos, um com 4, outro com 2, a menor com 6 meses, a Ana tirou as trompas, que facilidade pra engravidar.
- Minha filha, como passaram o dia? O Eduardo melhorou da alergia? - Aninha sempre cansada, pobrezinha, trabalha muito, as crianças todas em casa, a creche acho que nunca mais vai abrir, a vó longe, mas eles não querem que ela more lá, a cidade é muito pequena, mas os salários são bons. A imagem da Aninha surge meio desfocada.
- Sim, mãe,Eduardo está melhor, acho que não vou poder falar contigo agora, vou ligar pro Jorge, ver se ele pode vir aqui pra casa pra ficar com as crianças, estou meio sem forças, acho que é pressão. Tchau, mãe, depois te ligo.
A imagem travou, a câmera desligou, D. Maria ligou de novo, chama chama chama e nada. Chama. Chama. Nada.
E se...
E se Aninha desmaiou?
D Maria liga pra Gilberto. Nada. O genro nunca atende essa hora.
E se o Gilberto não atendeu a Aninha?
E se a Aninha estiver com o corona?
E se alguém chamou a ambulância?
E se a ambulância levar Aninha pro hospital?
E se Aninha for entubada?
E se Aninha morrer?
E se nunca mais ...
D Maria se desesperou. E o Gilberto não atende...E o celular da Aninha não atende.
E se...
Dona Maria vai se vestir e chamar um Uber. Tem que viajar. Precisa se despedir da filha.
O Uber chega. Não leva idoso sozinho.Devia ter avisado que era idosa. O Uber se oferece pra chamar alguém pra ajudar Dona Maria.
Dona Maria voltou pra casa, pro apartamento. Liga de novo para Aninha. Nada. Gilberto, nada.
Dona Maria ligou pro síndico.
- Calma, Dona Maria, a senhora não conhece ninguém mais na cidade? Me passe o número de sua filha e do seu genro. Da empresa que eles trabalham.
Dona Maria desligou o celular pra procurar os números. Onde está a caneta? E o papel? Dona Maria não sabe mandar contato. Precisa ter calma, agora não é hora de ter chilique.
Celular toca. Dona Maria olha com medo. É o Gilberto.
- Dona Maria, aconteceu alguma coisa? Tem várias ligações suas, eu estava em atendimento...
- Gilberto, a Aninha, Aninha quer falar com você...
- Sim, mas...A senhora está bem?
- Para onde levaram Aninha?
- Dona Maria, Ana está com as crianças em casa...
- Ela ia chamar você, Gilberto.Aninha está doente.
- Não está doente, não. Ela mandou mensagem há pouco, Eduardo estava com alergia de gato.A senhora está bem? O que aconteceu, Dona Maria? Quer que chame alguém?
- Não, Gilberto.Não sabe se chora, se briga, se reclama, melhor nada, vão dizer que está louca. Fala devagar: Eu tive um sonho ruim, só isso.
Alergia de gato...Mas eles não têm gato...
E se ...
E se...
A história ainda teve mais detalhes chocantes, era pra rir, todo mundo estava achando muito engraçado, a velha estava louca, sim.
Mas eu me coloquei no lugar de Dona Maria...
E se fosse um filho, uma filha...Uma amiga.
Velho não pode sair.
E se?
...
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