A Branca
de Neve se foi.
Passou um príncipe muito diferente daquele dos contos de fada, que
a levou. João. Era um homem mal-encarado, parecia bandido, cicatriz na cara, nariz
esborrachado, boca enorme mas cheia de dentes brancos, mãos grossas e fortes,
roupas muito usadas, tênis rasgado. Branca de Neve enxergou um príncipe. Apaixonou.
João.
Paixão é cega. Paixão é loucura. Branca de Neve ficou cega e louca de
paixão.
Os 7 anões ficaram perplexos. Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou. Branca
de Neve foi. Nem tchau para os anões. Foi-se
com o então príncipe encantado.
E os sete
ficaram, cada um no seu lugar no monte de pedras, num canto da praça.
Estavam todos há muitos anos ali, para alegria das crianças, dos adultos, dos
namorados, dos fiéis da igreja e infiéis dos dias e noites, dos bêbados e dos
regenerados. Quase que nem ficaram surpresos em não mais ver a Branca de Neve.
Alguns
nem notaram. Só as crianças e os anões sentiam o vazio.
Choveu, fez frio, flor nasceu, flor morreu, e
veio o sol e a Branca de Neve não veio.
O Anão de Barba e Touca Marrom também
se foi. Será que morreu? Será que uma bruxa roubou? Será que foi atrás da
Branca de Neve? Será que arranjou uma amante?
E assim
foram os outros seis. Um por um foram
sumindo, sumindo.
Matéria
de polícia. Denúncia. Roubo da Branca de Neve e dos 7 Anões do canteiro da Praça.
Manifestação na Praça. Mandaram fazer camisetas, faixas, cartazes. A TV ia
filmar, hora de aparecer, para onde levaram a Branca de Neve e os 7 Anões? Quem
sabe, num jardim de mansão? Quem sabe algum excêntrico colecionador de Brancas
de Neves e 7 Anões? Ou sequestrador que vai pedir resgate?
Casos bem
idênticos começaram a surgir. Em outras Praças. Em outras Cidades. Em outros
Estados e Países. O Mundo em busca da Branca de Neve e os 7 Anões. Quem souber
onde estão, pode ligar com informações, sigilo absoluto. Tem recompensa;
dependendo da quantidade de gente nas manifestações das cidades, mais ou menos
ou nada.
Fronteiras
fechadas, revistas em carros, ônibus, aviões, carroças, bicicletas, mochilas
escolares, sacos de farinha, trens, metrôs, navios, canoas, motos, sacolas de
supermercados, flores, maçãs. Todas as Bruxas investigadas, principalmente as
que compraram maçãs.
...Pobre do
João... Uma paixão pela moça tão branquinha, tão delicada, tão perfumada, nada
sabia fazer, ela foi chamando os Anões, um a um para fazer a comida do João,
lavar a roupa do João, limpar a casa do João, cuidar do jardim do João, contar
histórias para o João...e cuidar dela, a Branca de Neve, que só sabia fazer
amor com o João. E a Paixão de João o fazia trabalhar 8 vezes mais para
sustentar a Branca de Neve e seus 7 Anões. Ele, o João, trabalhava. E estava
feliz.
Um telefonema de sigilo absoluto e João levado
para a delegacia. Criminoso perigoso mantém em cárcere privado Branca de Neve
e os 7 Anões. João não sabe que Paixão por Branca de Neve é crime. E que os
Anões da Branca de Neve não são da Branca de Neve. Grades para ele.
Na Praça,
agora, estão nos devidos lugares a Branca de Neve e os 7 Anões. Com
grades para protegê-los, melhor: para não fugirem. Sem Paixão para incomodar. Sem João. João é apenas João.
João não é celebridade. João é só João. Nem Bruxa havia.Sem graça.
Branca de Neve de novo é
pedra. 7 Anões de pedra.
Casos
encerrados.
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