SOU GAY 3 – ENTREGANDO OS PONTOS
Mirinha declarou para a família que é gay. ( Ver
SOU GAY 1). Todo mundo se indignou com ela. ( Ver SOU GAY 2).
Hoje a coisa ficou pior: o sobrinho da Mirinha que
mora em São Chico - baita grosso - se veio de lá de mala e cuia e arranjou uma
consulta com uma psicóloga daqui de Curitiba. Nem preciso dizer que foram os
filhos da Mirinha que chamaram o primo. E, como sempre, sobrou pra mim: se reuniram todos na minha
casa, como se a mais maluca de minhas amigas estivesse em estado terminal.
- Tia - o sobrinho da Mirinha me chama de tia - tem
que haver um jeito de levar tia Mirinha para uma sessão – não, não é sessão
espírita, por enquanto. Vamos primeiro nessa psicóloga, diz-que cavoca lá nos
fundos dos sentimentos e descobre o que anda remexendo nos miolos da
veia.
Os filhos da Mirinha concordavam em tudo com o
guri, que já tem seus quarenta, e que se acha entendido das psico pois
fez análise, nem sei o motivo, mas sabe tudo de Freud.
- É aí que me refiro, se eu chego assim, tia
Mirinha não vai aceitar se tratar. A tia Bella, a Senhora convence tia Mirinha? A consulta é
hoje, às 3 da tarde. Aqui perto, no Água Verde.
Eu já estava preparada: tudo que é bomba, estoura na minha mão.
Eu já estava preparada: tudo que é bomba, estoura na minha mão.
- Olha aqui, gurizada - olhei bem na cara deles -
vocês vão falar com Mirinha. Se ela topar, eu vou com ela, tá? Eles me
abraçaram, até com lágrimas nos olhos ( só podia ser nos olhos, né?). Sairam os
três, eu mais atrás, meus joelhos doendo, nem na hidro tenho ido desde que
começou essa função. A surpresa foi enorme com a reação da Mirinha, nem
eu esperava, ela olhou bem na nossa cara e disparou:
- Psicóloga? Tá. Que
horas? Aonde? - eu nem acreditava no que estava vendo e ouvindo.
Os guris se olharam, nem precisava ter chamado o
primo. Ou será que a Mirinha se assustou com a chegada do sobrinho? Esse guri é
famoso por andar armado e com faca, e é o mimoso da doidinha.
O que importa é que às 3 da tarde não fui só eu;
parecia uma procissão. Nem tinha lugar no consultório. A psicóloga arregalou os
olhos quando viu o monte de gente. Deu uma olhada meio enviesada e fixou-se em
mim.
- A Mirinha é ela - apontei, minha amiga toda chic,
perfume Chanel 5, colar da moda desses que parece uma gola.
A moça da recepção nos mostrou poltronas como
dizendo pra sentar e calar, Mirinha levantou o nariz e saiu pisando forte, na
frente da pessoa que iria resolver seus ( e nossos) problemas. Minha situação
cada vez se complicava mais. Eu bem sabia que tudo era uma invenção, mas não
podia trair minha amiga. E ela conseguiu chamar a atenção de toda a família. Os
rapazes nos celulares,
mandando mensagem até para o Papa, i-Pads, i-Phones, dedilhavam os
brinquedinhos sem parar, que mania essa de celular, ninguém conversa ao vivo,
acho até que estavam mandando mensagens para eles mesmos, assunto não faltava. E que suspense! O tempo não
passava, era uma hora de consulta.
Finalmente, ABRE-SE A PORTA DO CONSULTÓRIO.
Beijinho de longe na psicóloga, um tchauzinho bem comportado pra moça, a cara
da Mirinha era de cinema!
- Vamos? - Olhou pra nós, fazendo caras e bocas.
- Vamos? - Olhou pra nós, fazendo caras e bocas.
Saímos em fila indiana, silêncio total. E fomos
assim até a casa do pivô de toda essa novela.
- E daí, tia? - o sobrinho de São Chico teve
coragem, falou forte, mal entramos no carro.
- Em casa conversamos - Mirinha falou apenas
movendo os lábios, uma estátua, como nos filmes de Hitckoch, muito séria.
Chegamos. Noras, netos, cachorros, acho que até
vizinhos, parecia festa de aniversário - ou velório, nem sei. Mirinha se jogou
no sofá e começou uma choradeira coletiva, os netos aproveitando pra comer os
bombons da mesa, cachorros pulando em todo mundo, uma bagunça, a tia surda dizia que era encosto.
- Preciso de mais algumas consultas - Mirinha
gritou. Estou entrando em depressão, vocês me confundem. Nem sei mais quem sou
eu. EU SÓ SEI QUE NADA SEI! ( essa
frase ela ouviu ontem num programa de TV, tenho certeza).
- Bueno, tia, se é pra ficar boa, então tá - falou o sobrinho mucho macho. Mas
essa coisa de...
- De gay? É isso que preocupa vocês? Então, podem
ficar sossegados. Não quero mais nada de nada. Fico assim, jogada às traças,
como uma pobre velha que não curte mais nada. Curtir, agora, só no FACE. Tá bom
assim?
Palmas, abraços, beijos, suspiros... O tradicional
ataque à geladeira. Na cozinha, picavam um charque do primo pra fazer um
carreteiro. Alguém foi comprar cerveja gelada, os netos enforcando o cachorro,
o controle da TV sumiu, a tia surda queria ver a novela.
Família é tudo igual.
Escândalos à parte, Mirinha conseguiu o que queria. Casa cheia, centro das
atenções, bem como ela gosta. Atirada no sofá, me olhou com uma cara de safada,
piscou um olho, eu sem saber se ria ou chorava. Só quero ver qual vai ser a
próxima. Essa coisa de querer mais sessões com a psicóloga...alguma coisa
Mirinha está programando. Pra todos os casos, o pessoal pensa que ela voltou
pro armário. Que entregou os pontos. Só quero ver a Mirinha frequentando uma
psicóloga, não vai prestar.
Pobre da psicóloga...
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