MINHA VIDA É UM PALCO

MINHA VIDA É UM PALCO
Somos como atores neste palco que é o mundo, as cenas são os dias e noites, e o roteiro quem escreve é a VIDA!A vida depois dos 60. É começar novo, novos horizontes, um mundo diferente e muito mais LEVE! A gente está sempre começando, sempre aprendendo...E aos 60 anos, a gente nasce de novo! A minha Infância da Maturidade! COMO SERÁ NOS 70?Na minha ADOLESCÊNCIA da Maturidade...CHEGUEI! Cheguei chegando imaginando a vida toda...70 ANOS! BÓRA LÁ QUE A VIDA TÁ PASSANDO!!!E até uma PANDEMIA!Nunca pensei ...De repente, ficar presa em casa, sozinha. Se sair, o CORONA VÍRUS pega. Horrível todo mundo sem se tocar.

sexta-feira, 21 de março de 2014

MIRINHA NA PSICÓLOGA



                 Mirinha diz-que está se tratando. "Transtorno obsessivo compulsivo, com tendência ao suicídio",foi o que ela disse pra todos."Foi o diagnóstico da MINHA PSICÓLOGA", ela frisou bem o "minha psicóloga", toda importante, depois de mais uma sessão com a Rosane. Duvido que a Rosane tenha dito tudo isso! Penso que é mais uma das "Invenções de Mirinha" para chamar a atenção.
           - Agora podes contar toda a verdade - falei, quando fomos tomar um chopinho no bar do Tatu. 
           - Seguinte: posso ter exagerado, mas é assim que me sinto, só que não é suicídio, é homicídio. Tenho ganas de matar a Rosane - Mirinha apertou as mãos como se estivesse esganando a pobre da psicóloga.
            - Que foi que ela te falou para ficares assim, tão revoltada?
            - Bella, Bellinha, quando eu vi, estava contando pra ela meus desejos e preocupações. Pode? Sabes o que ela falou? "Mirinha, por que não arranjas um namorado?"- Como se fosse a coisa mais fácil do mundo! Olhei bem pra ela e perguntei: "Onde? Como? Quem?" A sabichona disse que eu preciso olhar para os lados, tá bem, estou olhando, e só vejo você(aqui todo mundo fala você). É isso. Estou na falta. Quem sabe o Tatu me dá uns apertões...
             Imaginei a cena. O Tatu -o dono do boteco- é um baixinho quase anão, safado de doer, só conta piada de sexo, corno e brocha, ele e a Mirinha iam fazer um belo par.
             - Mirinha, e quais são teus sonhos e aspirações? -eu quis desviar a conversa, coitado do Tatu...
             - Ah, Bella, isso só digo pra Rosane...
             Confesso que fiquei com ciúme da psicóloga, eu sempre fui o confessionário da Mirinha, agora ela me troca...
             - Mas uma coisa posso te dizer -acho que ela leu meus pensamentos -Bella, eu dei cada conselho pra Rosane, mandei ela usar roupas mais sensuais, com cores e decotes, fazer luzes e cachear os cabelos, e tomar umas caipirinhas com os amigos,ela diz que gosta mas tem vergonha de pedir, a coitada estava tão triste, imagina, o marido dela não gosta de sair, só quer saber de futebol e pescaria, esse merece uns chifres com distinção.
             Não sei o que são "chifres com distinção", fiquei até com pena do fulano. Nesse instante, chega o Tatu, trazendo mais uma rodada de chopp:
             - Deixa o cara ver o joguinho dele e pescar uns peixinhos,Mirinha. Por que sacanear o sujeito? -o Tatu se meteu na conversa, estava ouvindo tudo, veio defender a raça.
             - Se conheceres a Rosane, vais me dar razão. Tatu, ela é um mulherão, cheia de curvas, parece a Claudia Raia, dei uns conselhos tri pra ela -a Mirinha dando conselhos pra psicóloga...não vai prestar!
               Fico imaginando como são as sessões...Quem viver, verá.Resultado: Minha amiguinha está bem animada.
               Mirinha vai fazer amanhã a Festa do Cabide. Esperem pra saber como vai ser. Convidados  escolhidos. A quase-freira da frente. O Jorjão. A turma da hidro. A turma do boteco.Até o Tatu.Até a Rosane.



           
 
             

 

quarta-feira, 19 de março de 2014

SOU GAY 3 - ENTREGANDO OS PONTOS



SOU GAY 3 – ENTREGANDO OS PONTOS


Mirinha declarou para a família que é gay. ( Ver SOU GAY 1). Todo mundo se indignou com ela. ( Ver SOU GAY 2).

Hoje a coisa ficou pior: o sobrinho da Mirinha que mora em São Chico - baita grosso - se veio de lá de mala e cuia e arranjou uma consulta com uma psicóloga daqui de Curitiba. Nem preciso dizer que foram os filhos da Mirinha que chamaram o primo. E, como sempre,  sobrou pra mim: se reuniram todos na minha casa, como se a mais maluca de minhas amigas estivesse em estado terminal.

- Tia - o sobrinho da Mirinha me chama de tia - tem que haver um jeito de levar tia Mirinha para uma sessão – não, não é sessão espírita, por enquanto. Vamos primeiro nessa psicóloga, diz-que cavoca lá nos fundos dos sentimentos  e descobre o que anda remexendo nos miolos da veia.

Os filhos da Mirinha concordavam em tudo com o guri, que já tem seus quarenta,  e que se acha entendido das psico pois fez análise, nem sei o motivo, mas sabe tudo de Freud.

- É aí que me refiro, se eu chego assim, tia Mirinha não vai aceitar se tratar. A tia Bella, a Senhora convence tia Mirinha? A consulta é hoje, às 3 da tarde. Aqui perto, no Água Verde.
Eu já estava preparada: tudo que é bomba, estoura na minha mão.

- Olha aqui, gurizada - olhei bem na cara deles - vocês vão falar com Mirinha. Se ela topar, eu vou com ela, tá? Eles me abraçaram, até com lágrimas nos olhos ( só podia ser nos olhos, né?). Sairam os três, eu mais atrás, meus joelhos doendo, nem na hidro tenho ido desde que começou essa função. A surpresa foi enorme com a reação da Mirinha, nem eu esperava, ela olhou bem na nossa cara e disparou:  
- Psicóloga? Tá. Que horas? Aonde? - eu nem acreditava no que estava vendo e ouvindo.

Os guris se olharam, nem precisava ter chamado o primo. Ou será que a Mirinha se assustou com a chegada do sobrinho? Esse guri é famoso por andar armado e com faca, e é o mimoso da doidinha.

O que importa é que às 3 da tarde não fui só eu; parecia uma procissão. Nem tinha lugar no consultório. A psicóloga arregalou os olhos quando viu o monte de gente. Deu uma olhada meio enviesada e fixou-se em mim. 

- A Mirinha é ela - apontei, minha amiga toda chic, perfume Chanel 5, colar da moda desses que parece uma gola.

A moça da recepção nos mostrou poltronas como dizendo pra sentar e calar, Mirinha levantou o nariz e saiu pisando forte, na frente da pessoa que iria resolver seus ( e nossos) problemas. Minha situação cada vez se complicava mais. Eu bem sabia que tudo era uma invenção, mas não podia trair minha amiga. E ela conseguiu chamar a atenção de toda a família. Os rapazes  nos  celulares,  mandando mensagem até para o Papa, i-Pads, i-Phones, dedilhavam os brinquedinhos sem parar, que mania essa de celular, ninguém conversa ao vivo, acho até que estavam mandando mensagens para eles mesmos,  assunto não faltava. E que suspense! O tempo não passava, era uma hora de consulta.

Finalmente, ABRE-SE A PORTA DO CONSULTÓRIO. Beijinho de longe na psicóloga, um tchauzinho bem comportado pra moça, a cara da Mirinha era de cinema! 
            - Vamos? - Olhou pra nós, fazendo caras e bocas.

Saímos em fila indiana, silêncio total. E fomos assim até a casa do pivô de toda essa novela.

- E daí, tia? - o sobrinho de São Chico teve coragem, falou forte, mal entramos no carro.

- Em casa conversamos - Mirinha falou apenas movendo os lábios, uma estátua, como nos filmes de Hitckoch, muito séria. 

Chegamos. Noras, netos, cachorros, acho que até vizinhos, parecia festa de aniversário - ou velório, nem sei. Mirinha se jogou no sofá e começou uma choradeira coletiva, os netos aproveitando pra comer os bombons da mesa, cachorros pulando em todo mundo, uma bagunça, a tia surda dizia que era encosto.

- Preciso de mais algumas consultas - Mirinha gritou. Estou entrando em depressão, vocês me confundem. Nem sei mais quem sou eu. EU SÓ SEI QUE NADA SEI!   ( essa frase ela ouviu ontem num programa de TV, tenho certeza).

- Bueno, tia, se é pra ficar boa, então tá - falou o sobrinho mucho macho. Mas essa coisa de...

- De gay? É isso que preocupa vocês? Então, podem ficar sossegados. Não quero mais nada de nada. Fico assim, jogada às traças, como uma pobre velha que não curte mais nada. Curtir, agora, só no FACE. Tá bom assim?

Palmas, abraços, beijos, suspiros... O tradicional ataque à geladeira. Na cozinha, picavam um charque do primo pra fazer um carreteiro. Alguém foi comprar cerveja gelada, os netos enforcando o cachorro, o controle da TV sumiu, a tia surda queria ver a novela. 
Família é tudo igual. 
Escândalos à parte, Mirinha conseguiu o que queria. Casa cheia, centro das atenções, bem como ela gosta. Atirada no sofá, me olhou com uma cara de safada, piscou um olho, eu sem saber se ria ou chorava. Só quero ver qual vai ser a próxima. Essa coisa de querer mais sessões com a psicóloga...alguma coisa Mirinha está programando. Pra todos os casos, o pessoal pensa que ela voltou pro armário. Que entregou os pontos. Só quero ver a Mirinha frequentando uma psicóloga,  não vai prestar.

Pobre da psicóloga...

segunda-feira, 17 de março de 2014

SOU GAY 2 - A REAÇÃO



                SOU GAY 2 – A REAÇÃO

Depois de uma noite de insônia, Mirinha inventou de sacudir a rotina e declarou: "Eu sou gay. Cansei de procurar um homem de verdade, agora quero uma mulher que me complete". Mas ela não tinha noção de como essa brincadeira fosse provocar uma tremenda revolução.
- Criei meus filhos sem discriminar ninguém, nossos amigos são pessoas, não importa se têm pele, religião, sexo diferente, todos somos parte deste Planeta. Só não  suportamos político ladrão do povo, esses que roubam da saúde, da educação.
- Isso eu já sei, Mirinha. Me conta a novidade - tive que interromper minha amiga, quando ela começa a discursar, ninguém aguenta.
- Só porque eu disse que agora sou gay, todo esse escândalo.
- Não tinhas me contado essa tua nova opção – e me preparei para a resposta.
- Opção coisa nenhuma, é uma brincadeira, eu queria criar polêmica, queria que eles se preocupassem comigo, que vissem como estou carente - Mirinha falou como se fosse uma pobre velhinha abandonada.
- Amiga - falei bem devagar, para que ela caísse na real e assumisse que não é uma velhinha carente, mas uma maluca que atormenta todo mundo com seus delírios - isso não é preconceito nem discriminação, é que eles te amam, não querem que sofras desilusões.                 
 - Então ouve só, Bella - Mirinha falou, muito seriamente - meu cunhado de Uruguaiana, sabe, o estancieiro das olivas, me ligou e me encheu a osso. Disse que não tenho vergonha, onde já se viu, expor assim a família, botou até meus filhos no meio, disse que eu deixei meu filho usar brinco, que ando em campos de nudismo, que preciso voltar imediatamente pro Rio Grande, conviver com macho pra me acalmar...E o outro, o veterinário dos morcegos de Santa Maria, pensei que fosse uma pessoa aberta, imagina, ele me falou que desde que meu marido morreu eu fiquei desmiolada...onde se viu, um homem estudado ficar tão indignado...Até o marido da minha irmã mais velha, me ofereceu a casa dele e que consegue alguma coisa, quem sabe um primo pobre mas muito viril, pra eu me acalmar.
- Ó Mirinha, não achas que está na hora de desdizer toda essa tua mais nova invenção? Se não é verdade (neste momento, até eu estava meio preocupada, não pelo gay, mas pelo escândalo inesperado, a família se metendo em tudo), esclarece de vez, para com essa bobagem de querer chamar a atenção, daqui a pouco te interditam - tentei acalmar a maluca.
- Sabe - Mirinha baixou a voz, como num segredo - estou a-do-ran-do essa função toda. Nunca recebi tantos telefonemas.
Essa é a Mirinha, minha amiga, louca amiga, estou até concordando com ela, meu pai dizia: "FALEM MAL, FALEM BEM, MAS FALEM DE MIM". Contei isso pra ela, até me arrependo, e ela me olhou bem na cara: "Teu pai era cheio de sabedoria".
Bueno, vamos ver até onde isso vai dar...
(A filharada da Mirinha está sem se comunicar com ela desde domingo). 

sábado, 15 de março de 2014

INVISÍVEL



                              INVISÍVEL


Desde que completei sessenta aninhos bem vividos e me aposentei de vez como professora, o mundo resolveu me ignorar. Assim:

Chego num lugar, aquele barzinho que eu e meus colegas sempre fomos à noite, depois da aula, comer xis ou batatinha frita acompanhando uma cerveja bem gelada. A turma já está lá. Grito “OIEEEE” e o pessoal me responde com um “OI” descuidado. Procuro uma cadeira, ninguém abre lugar pra mim à mesa, me meto entre dois amados colegas, agora ex-colegas, ou será que eu é que sou ex? É bem estranho ser “ex”, tipo assim, não é mais nada...

Como sempre, o principal assunto não é o assunto, o importante é falar, todo mundo fala de tudo, desde filosofia, futebol, política, sexo até chegar à sala de aula,  alunos salientes e pais ausentes e direção prepotente, governo incompetente e salário vergonhoso, mudam os tempos mas os papos são os mesmos – a cada cerveja, as vozes aumentando, discussões aprofundadas. E eu ali, deixei de ser protagonista, parece que ninguém me enxerga. Passei mais da metade da minha vida argumentando com inteligência, sempre ouvida, acho que devia ser advogada ou política, pois falo muito bem. Só que, agora, começo a falar e tem sempre um corte, coisa feia interromper e trocar de papo, então me encolho, apertada entre dois amigos que dão um tapinha na minha mão, tão carinhosos, eles, olho bem para cada um, eles me olham, mas não me enxergam, quero falar, mas estou invisível.

- Sou a Bella, a amiga de vocês, estão me vendo? Olhem bem, sempre organizei todas as festas, fui até escolhida Rainha da Turma, a mais agitada, já pintamos e bordamos e dançamos e cantamos, tivemos até um bloco de carnaval que eu organizei, Os Dez-Contentes, lembram? Não eram só dez, acho que tinha mais de cem. Alguém faz um “Ah,é?”educado, eu fico com cara de idiota, que vontade de morrer, sempre me disseram que a gente fica velha e invisível, pode falar à vontade que ninguém dá bola. Passaram imagens pela minha cabeça, abri a boca pra lembrar quanto tinha feito por essa turma, mas as palavras foram sufocadas pela chegada de uma garota, a professora que me substituiu quando me aposentei, todo mundo levantou pra ceder a cadeira – todos, não, as mulheres ficaram plantadas, imóveis, desviando olhares, sempre foi assim, gente nova e desconfiança andam juntas. E eu ali, invisível. Ninguém me apresentou para a garota que até me cumprimentou com um sorriso permanente. Tomei uma atitude, já que nem a moça do bar me trouxe um copo, ou pegou meu pedido, boca seca, mas levantei, arrastando a cadeira e estendendo a mão para o centro das atenções, a novata, eu já estive nessa situação, faz tempo, de gata/gostosa e também arranquei suspiros e olhares.

- Sou a Bella, que te deu a vaga na escola,  me deves uma cerveja – apertando a mão macia da moça. Ela sorriu, de novo, cara de paisagem, disse um muito prazer educado, fez que não ouviu o que falei. Beijou todo mundo e sentou quase de costas pra mim. E acabei minha participação, agora era ela, minha substituta até nos amigos. Aliás, ex-amigos.

A conversa reiniciou, outro foco, homens a postos, carne nova no pedaço, mulheres disfarçando, e eu invisível, de novo. Ou será que a Bella, a mais divertida da turma, agora é uma miragem?

- Menina, me traz uma coca zero e um xis salada – gritei pra garçonete.

Agora quero ver, a turma vai cair na minha cabeça, a Bella tomando coca, só se estiver doente. Mas ninguém disse nada. Se eu me rasgar e ficar pelada e subir na mesa, acho que nem vão me notar.

Deixei a coca e o xis  intocáveis, invisíveis como eu,  disse tchau e todo mundo respondeu “tchau Bella”, um ato mecânico, como uma obrigação ou um alívio, sou uma coisa chamada Bella. 

Peguei meu carro e saí sem destino, vazia, uma sensação de inutilidade, será isso a melhor idade? Melhor pra quê?

Parei o carro na beira do mar – eu falei que morava na praia? Pois é, num paraíso. Uma lua linda, as ondas em espumas. Um aperto na garganta, vontade de chorar. Coloco a cabeça entre as mãos e me aperto. Estou com peninha de mim? Essa não!

“Reage, Bella”, é  uma voz interna, isso sempre acontece, é o meu anjo me chamando:

- Bella, Bella, você já teve filhos, você já plantou uma árvore. Falta só você escrever um livro.

Um livro? Isso todo mundo faz quando se aposenta. Contar minha vida? Coisa chata, isso de biografia, só os parentes compram, por obrigação, nem leem...E os filhos, que também vão atirar o livro da mãe  numa gaveta qualquer. 
E se eu escrever como se fosse outra pessoa? Tipo o Fernando, que tinha três homônimos...E eu tenho a Mirinha, que enche de bagunça a minha vida. Beleza, a  Mirinha tem tanta história, apronta tanto, faz cada coisa que pode ser também minha inspiração, ela é original, exótica, tem uma cabeça inseminada pelo demônio, é original, essa  doidinha totalmente liberada.  A Mirinha vai me ajudar, com certeza, a minha eterna amiga, agora também aposentada.  É uma sexagenária que nem  parece, alto astral, divertida, tenho certeza de que vai me incentivar nessa nova etapa de minha vida, eu quero voltar a rir, a sorrir, a gargalhar...Deletar a turma do bar? Talvez...
 Chega de ser ignorada.

É isso aí, quase gritei.

Voltar a existir. Quem sabe, até fico famosa...

Preciso ir pra casa. Escrever, escrever, escrever.

Concretizar-me.

Deixei o oceano rumo ao sucesso. 
 Olhando pelo retrovisor a lua refletida no mar, dei adeus a um estado de abandono, foi um momento transitório, esse, de decepção comigo mesma. Como se no oceano naufragassem todas as tristezas do mundo, como se o  sol me respingasse purpurina ouro e prata e eu me transformasse numa estrela radiante de sonhos e esperanças. 
Um infinito de expectativas abriu-se à minha frente: imaginei-me em  uma outra entrada no barzinho, esse do qual saí tão derrotada, eu voltando ali,  a escritora Maya Bella( Maya por ser um nome mais tchan...artístico, e Bella pela história),  milhões de exemplares vendidos, milhões de compartilhamentos, You Tube, I Tube, They Tube,  autógrafos, fotógrafos e flashes, a turma toda levantando, cadeiras puxadas pra mim, muitos copos em brindes, e eu assim, importante...

Bella existe: Bella tem passado, presente e também futuro. Tem história.

Eu não sou  invisível. 
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sexta-feira, 7 de março de 2014

NASCIDAS NO SÉCULO VINTE - PARA LER EM PARTES.Uma por dia.



NASCIDAS NO SÉCULO VINTE

 

 

    PARTE 1-1969 em pleno século xx


“O mundo vai acabar no ano dois mil” – lembro como se fosse hoje...

                    A Mirinha chegava de Woodstock, 1969,  andava nos States, ganhou a viagem de presente por ter passado no vestibular. 
O pai da Mirinha fazia tudo que ela queria, para desespero da mãe, uma socialaite de carteirinha, só usava tailleur e coque, uma dama, e tinha medo que a filha fumasse maconha ou cheirasse lança-perfume – as drogas da época.
 Eu estava ansiosamente esperando as novidades que minha amiga trazia – nós, as duas, inseparáveis até a morte, com dezoito aninhos, magras,geração de um Lindo Sonho Delirante, se nossos pais soubessem o que era esse LSD iam ter um troço.

Mirinha chegou de batinha, saia comprida e sandálias de tiras de couro, o uniforme hippie, com uma tiara de flor e um PAZ e AMOR  pintado na imensa bolsa de pano. Eu morri de ciúme. Mas ela me trouxe brincos de lata e um vestidão estampado, fiquei assim, parecida. 
E nem me importei se o mundo acabasse no ano dois mil, parecia tão longe, quando a gente tem dezoito anos não se importa com o futuro.
A gente queria era ser comunista, nossos colegas todos queriam jogar bombas nos americanos e nos milicos, era moda ser da esquerda, um futuro assim, de comunista à petista e à jornalista. Que orgulho dizer que fomos fichadas pelo DOPS na ditadura, perseguidas pelo sistema. 
Eu e Mirinha casamos cedo com homens lindos e machões, para nos livrarmos dos pais machões. E ter filhos e pintar a cara e ir às passeatas com os filhos pendurados na cintura, para o desespero dos maridos que nunca conseguiram nos transformar em madames.   
Nós duas. 
E nem o mundo acabou, e nem terminamos jornalismo.   E as duas viraram professoras, casaram, tiveram filhos, ficaram viúvas, se aposentaram, bem nessa ordem. 
Hoje estamos em dois mil e quatorze,  o direito de fazer nada, ou fazer tudo que der na telha.

PARTE 2  - Anjos

Estamos no século vinte e um, quem diria. Podemos encher a boca e dizer que somos sobreviventes de uma odisseia no espaço, vimos a construção do muro,  a queda do muro,  guerras frias e quentes, bebês em tubo, de rádio a TV e informatizamos o mundo – nós, os nascidos no século vinte. 
Mas parece que o mundo parou. Tudo se repete. Até as caras pintadas na rua, o povo insatisfeito, os espiões americanos que sabem até onde está o controle da TV de nossa casa. O Google vem até minha rua e filma  o anjinho barroco em cima do meu  portão. E a tecnologia que só é boa se conseguimos dominá-la. 
Fiquei enrolando com as palavras porque estou muito preocupada. 
A Mirinha não consegue admitir essas novas ferramentas, não quer saber de computador nem de internet. Diz que tudo que a prende em casa é inútil.


Falei no burro, apontou as orelhas, olha quem está no telefone:

- Bella- era a Mirinha - nem sabe o que achei...O DVD da Amy. Lembra da Amy Whinewouse? Morreu jovem e famosa;  olha eu aqui, cheia de rugas, vegetando nesta terceira idade que me pesa nos ombros – minha amiga, a Mirinha e suas crises, me preparo para a choradeira.

- Nossa, Mirinha, vem pra cá, estou escrevendo sobre o século passado, nossas vidas - tentei tirar minha amiguinha da fossa...

- Era só o que faltava, Bella, ficar remexendo no nosso passado,tem coisa melhor, ouve o que acabei de escrever, faz dois anos da morte da Amy, uma  homenagem ao anjo da voz: “Não há lugar na Terra para os anjos. Anjos precisam de outros alimentos que não o nosso indispensável pão de cada dia para nossa necessária transpiração. Anjos são diferentes, alimentam-se de inspiração. Não conseguem discernir entre corpo e alma, essa dualidade que separa o concreto do abstrato. Os anjos só têm um estado: alma com corpo integrado, com a urgência de botar pra fora essa coisa que ferve no sangue, no cérebro, nos dedos, e que tem que sair de um jeito, som, gesto, palavra, uma coisa que fica solta no mundo para ser capturada pelos comuns mortais e que chamamos de poesia.” Gostaste, amiga?

- Mirinha, você  acaba de salvar o século vinte e um. Uma voz atual, pena que a Amy morreu.

- Os anjos não morrem, Bella. Eles vêm à Terra, deixam o encanto e se cristalizam.  Lembra daquele dia 23 de julho? Nós, na praia, no boteco do Betão, um baita frio e a gente chorando e bebendo à Amy...
Mirinha desligou o telefone sem se despedir. 

PARTE 3  - Demônios

Agradeci à amiga pela mensagem. Eu acredito em anjos. Quem sabe, Mirinha é um anjo que está na minha vida para me sacudir com a delicadeza da poesia. Essa maluca tem muitas cartas na manga, sempre que eu penso que ela está em depressão, fechada em casa, ela me assusta com um sopro de vida. O que seria do mundo sem os artistas? As vozes, as cores, as formas, beleza não tem época. Volto ao meu século vinte. Vou retribuir à Mirinha esses momentos mágicos:

- Oi, querida – liguei imediatamente, ela se surpreende, sempre é ela que me liga – tenho um convite, vamos chamar a galera,  Queijos & Vinhos, sessão MPB e Bossa Nova, reviver os festivais dos anos 70 e 80, que achas, Mirinha?

- Quê?  Tá ficando louca?  Música brochante? Em plena quarta-feira de cinzas? Você precisa se atualizar, Bella.

Fiquei em estado de choque. Como pode a Mirinha se transformar em minutos, nem isso. Estava tão sensível, falando de poesia, é a própria metamorfose ambulante, e eu com peninha... E continuou, a danada:

- Olha-te no espelho, tu pareces uma velha, espera só, ouve – colocou o fone na caixa de som, e eu, congelada na frente do espelho, uma velha – Mirinha gritava: 
- Isso é funk, pop-rock, sei lá, toca em tudo que é balada, está nas novelas, tem que pôr as mãos nos joelhos e rebolar...

- Mirinha, há pouco me falavas da poesia, isso não tem nada de poético, onde andam os anjos que encantam e se cristalizam?

Não adiantou nada. Mirinha está completamente doida. Diz que vai comprar um shortinho, meias pretas e botinhas, camisa amarrada na cintura e se mandar pro Rio de Janeiro, num festival da mulher fruta.


PARTE 4 - A  Redenção
 

- Que ridículo, isso, na tua idade, amiguinha, que fiasco, Mirinha...

- Fica aí com teu computador, escrevendo esse livro que nunca acaba, olha, Bella, a vida está passando, esse teu casamento com o Google é uma coisa virtual, não ajuda na conservação da espécie...

-  HALOOOU, Mirinha, já passamos dos sessenta, querida, agora é esperar que os netos produzam os bebês...Nossa contribuição ficou no século vinte. Isso de shortinho é coisas de menininha.

- Tu és muito antiquada, Bella, os garotos querem gente com atitude, olha a Suzana Vieira, superpoderosa, mais velha que nós,  a Glória Menezes é  uma vovó  hiponga,  Gil, Caetano,  Roberto e Erasmo, todos com mais de setenta, arrebentando a boca do balão. Isso de idade, nada a ver. Estamos em 2014. E tu aí, com a  Tropicália, que coisa mais antiga...O Roberto Carlos agora até carne come, e de boi...Ora, Bella, qual é a tua? Viver é não ter a vergonha de ser feliz. Vem, tenho até sertanejo universitário,o cauboy vai me pegar... E axé, ainda tem tudo do carnaval...Claudinha Leite, Carlinhos Brown, Ivete...

Parte 6 - A Entrega Total

Gente: - Comecei tão bem este meu conto, analisando a situação do Planeta no século passado, desenterrei até o lança-perfume, se eu conto como se usava, a rapaziada vai morrer de rir  ( o barato era colocar num lenço e cheirar, bilhões de sinos batiam dentro da cabeça, isso me contavam, pois nunca usei – é verdade, nós queríamos ser  modernas, mas éramos muito, muito caretas), essas cortadas são só pra dar um colorido especial, lembrando a reflexão da Mirinha sobre poesia...
A confusão que se criou agora, com a rebeldia da amiga, mandou tudo pra Pasárgada...

É. O mundo não parou.O ano dois mil não acabou.

Preciso me mexer antes que a Mirinha resolva concretizar suas ameaças. Ela só late, não morde. Quer melhorar meu astral. Se faz de louca por gosto.  Penso que conseguiu.

Vou vestir meu jeans, minha bota de montaria, quem sabe uma bolsa com franjas e vou pra casa da Mirinha. Ver de perto a situação.  Mais matéria para meus contos.   
Mesmo porque nada vai mudar nossa realidade.
Nascemos, sim, na primeira metade do Século Vinte.

E faz tempo!