Depois dos 70 eu escrevi que esperava muitas surpresas.
Não imaginava que seriam tantas e nunca esperadas. Tem uma rádio que diz "Em vinte minutos, tudo pode mudar", bem assim, muda mesmo. Mas nem sempre.Tem dias que não tem nada que preencha o vazio de um confinado em casa, ontem foi um movimento no meu whatss, parecia que todos os amigos queriam contar alguma novidade, os grupos queriam voltar pro mexemexe, tinha série nova na Netflix, filme bom na Globoplay, vizinho trazendo bolinho de aveia, comprar frutas novas no mercadinho, pintar cabelo, aula de Espiritualidade, exercício pra coluna no CQV, o dia foi muito cheio. Amiga na Holanda, eram 10 da noite e lá ainda tinha sol, parecia cinema,foi lindo de morrer. Acho que ontem teve 30 horas. Mas...pra tudo tem um mas...Jurei não fazer mais isso, fi-lo porque qui-lo. Não conseguia dormir e liguei a TV em notícias. O mundo entrou direto na minha casa. Brasileiros nos quadradinhos. Depoimentos de gente que nesse dia perderam alguém para a face escura da morte. Eu até tinha esquecido que estamos em uma pandemia. Nós, brasileiros, sendo os primeiros numa estatística trágica. Até na minha cidade, até então sem nenhum caso fatal, agora chorando a perda de uma pessoa muito querida.
27 de julho de 2020.
Não consegui desligar a TV.
A minha solidão de confinada com um dia tão cheio de gente no meu celular agora era trágica, olhando pra telona e as gentes de todo meu Brasil lembrando de pai, mãe, filho, amigo, irmão,médico, enfermeiro, dentista, motorista, prima, que morreu vítima do corona vírus. Pequenos relatos, o contexto de cada pessoa, o desespero contido pela máscara com um microfone, as fotos de quem se foi, a dor concretizada e dividida com os telespectadores. Estatísticas da pandemia no Brasil. O olhar atrás da máscara queria um conforto, uma explicação, queria gritar sua dor, pedia pra mim um novo olhar, era uma pessoa, não era um número. E ainda tinha força pra me pedir pra me cuidar, "não quero que sintas a dor que estou sentindo, meu marido morreu porque não teve leito na UTI". Mas aqui na cidade que eu moro tem tudo, pensei. Bons hospitais, plano de saúde, se eu for infectada serei bem assistida. Mas as imagens de dor e revolta continuavam...Lugares sem acesso, sem médicos, sem cama, pessoas até então invisíveis. Milhares. Milhões.Eu queria não ver mais. Desligar a TV.
Egoísta. Foi bem assim que me senti. Egoísta. Reclamando de ter que ficar sozinha em casa. Que sentimento é esse? Será que é essa presença diária da morte?O que é a vida frente a falta de um respirador? O que é a precariedade de tudo, agora escancarada no meu Brasil do futuro que chegou tão abandonado?
Li nem sei quantos livros, revistas, vi documentários, acompanhei revoluções, saía pra rua pela liberdade, era o MEU País!Eu sabia tudo sobre o MEU país. NADA, sabia apenas o que todo mundo via. Do país abençoado por Deus e bonito por natureza, foi instituída a miséria de um povo escravizado pelos sucessivos governos de desatinos humanos.
Nesta pandemia, o Brasil foi obrigado a mostrar a cara. Não tem mais como esconder.
Estampadas pelas lentes instantâneas de milhares de câmeras, não tem mais como esconder a realidade que nunca quisemos ver. Enquanto alguns continuam a acumular riquezas que não lhes pertencem, aumentam os sem salário, sem trabalho, sem dignidade.
Uma luz hoje no túnel é solidariedade, essa coisa que o povo faz para o povo, eque vemos chegarem sacolas de alimentos em lugares nunca mostrados, pessoas que agradecem por um prato de comida, filas que aumentam diariamente porque a pandemia é uma guerra sem tempo definido pra acabar.
Aqui dentro está tudo bem. Ali fora, também. Mas, escondidos pela discriminação da miséria, existe um povo que a bandeira empresta a toda tirania.
As cenas de uma febre espanhola, de uma peste negra se repetiriam nas praças, nos parques, nos shoppings, nos supermercados...pessoas matando para comer, mães furando os dedos para alimentar os filhos.Isso eu li em livros sobre guerras e tragédias. Ficção ou realidade.
Não sei se tenho coragem de publicar este texto. Mas é uma história de verdade. Sou otimista e realista, talvez com toda essa tragédia a política seja revisada para o que realmente se propõe: o bem do povo. De TODO o povo.
BELLABEREG, Curitiba, dia 28 de julho de 2020.
As cenas de uma febre espanhola, de uma peste negra se repetiriam nas praças, nos parques, nos shoppings, nos supermercados...pessoas matando para comer, mães furando os dedos para alimentar os filhos.Isso eu li em livros sobre guerras e tragédias. Ficção ou realidade.
Não sei se tenho coragem de publicar este texto. Mas é uma história de verdade. Sou otimista e realista, talvez com toda essa tragédia a política seja revisada para o que realmente se propõe: o bem do povo. De TODO o povo.
BELLABEREG, Curitiba, dia 28 de julho de 2020.
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