Todos estranhamos a Mirinha nunca mais falar em voltar para Manila.
Eu cometi um baita erro; perguntei direto pra minha amiguinha:
- Mirinha, Filipinas nunca mais? E o Ramón? Todo mundo quer saber!
Ela mandou-me ligar o gravador do celular. Iria repetir tudo que falou para a Rosane, a psicóloga.Fez mais; reproduziu a própria gravação, a sessão de segunda, a Rosane é mais doida que Mirinha, manda gravar tudo e depois analisa, ou fica tonta, acho que bebe...Fiquei toda ouvidos, como dizia Machado de Assis.
Começou assim, com uma citação de Arnaldinho(como ela chama o Jabor):
"Eu quero ser uma paisagem que quer ser decifrada pelas mãos e bocas dos exploradores."
- Para um pouco, Mirinha - eu estava perdida - isso é tua análise com a psicóloga? Mais parece crônica erótica...
- É, Bella. Não me interrompe, preciso me ouvir para saber se tudo que falei tem sentido, se esqueci algum detalhe.
Mirinha tornou a ligar o gravador.A voz dela era límpida, muito clara, Rosane em silêncio, como tudo que é psicóloga, a gente paga pra falar.
Taí, direto da Mirinha:
- Não quero amor, quero desejo. Não só afeto, quero pegada, mãos percorrendo entradas e saídas. Selinho é beijinho de criança, quero saber de língua circulando meu novo implante ou, quem sabe, um piercing na língua e um no umbigo. O corpo responde, confirmei a primeira vez que o Ramón - mi argentino - se encostou em mim e um volume estufou suas calças. Achei aquilo o máximo. Acordei o bicho. Por isso fiquei tanto tempo nas Filipinas, com ele e a família dele. Até o Ramón entrar na rotina de casado. Queria casamento e eu, movimento. Ramón é muito família, filhos, netos, sobrinhos, problemas, a mesma história que já vivi. Um saco. Vazio e murcho. Trabalho, escola, comida, sono. Cama, louça, café, dorme. Eu, louca por um barzinho.Quase morri de saudade do Bar do Tatu, do pagode e espetinho, da hidro e dos bailes no Água Verde e no D.Pedro. Ramón queria casar. Meu negócio, agora, é ficar. Lavar cuecas, nunca mais. Bafo de manhã?Horário? Um dia, Ramón se encostou em mim, calças folgadas de algodão amarradas com cordão, bem das Filipinas, e foi aquela coisa mole. Deu pra mim. Fui. Partiu Brasil.
Não pensa que eu vou sair por aí, largada. Mas é dando que se recebe.Diz na Bíblia.
O Jorjão está recebendo um amigo português, do Porto, seis ponto oito, diz-que se separou da mulher porque ela esfriou. Joaquim. Amanhã chega. Só quero ver. Bem na foto. Nunca se sabe. Vamos ver o material.
Desligado o gravador, Mirinha pensativa, arrematou:
- Faltei contar pra Rosane da choradeira de despedida. Pobre do Ramón, mil promessas, mas a gente não muda homem. Ele é assim, tadinho. Homem não muda jamais, então, muda de homem.
. . .
Pra quem me pergunta pelo Ramón, está em Manila. Por que Mirinha se veio das Filipinas? Respondido. Ela só quer ficar. E sempre no agito.
Ela bem que se define: "Sou uma sexagenária SEXY!"
Tenho ciúme da Mirinha.
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