A vida começa aos 60 anos. ATUALIZANDO...a vida começa aos 74. Agora, já estou com 75. A pandemia do Corona Vírus passou. A COVID se transformou em doença, que precisamos tomar vacina todos os anos, o vírus se transformou em coisa igual sarampo. POR ENQUANTO, estou escrevendo, copiando crônicas que escrevi nesses tempos de estranheza numa realidade de idosa. QUANDO eu ficar velha, talvez não tenha vontade de escrever mais.
terça-feira, 29 de dezembro de 2015
CAFEZINHO para encerrar o ano...
Compras de fim de ano. Roupas brancas.Quem sabe, uma tiara com flores. Eu e Mirinha no shopping. Coisas que A-DO-RA-MOS fazer, nós, que vivemos sessenta anos em cidades do interior da fronteira, agora na capital dos shoppings, sempre deslumbramos com cores, luzes, gentes, vitrines que mostram paraísos. E a decoração de Natal, cada ano com invenções para as fotos dos papais babões com os filhos fazendo pose.Tudo muito certinho.Previsível.
Os pés doendo, vamos um pouco na praça de alimentação. Quero comer porcaria, como Mirinha chama minhas frituras, mandioca com bacon e tiras de frango frito. Mirinha come sushi e sashimi.Light.
Cada uma com uma senha, não tem mesa vaga, vamos ter que comer em pé? Vou buscar meu pedido, bem a tempo de ver um homem convidando Mirinha para sua mesa. Quando volto, eles estão no maior papo, já velhos conhecidos, preciso tirar a bandeja para conseguir acomodar meu prato na mesa.
- Bella, este é o Chiquinho...Chiquinho, esta é Bella...
Aperto a mão do Chiquinho. Muito prazer, eu sou amiga da Mirinha, de onde vocês se conhecem?
- Daqui, ora - diz Mirinha - Chiquinho me convidou para a mesa dele.Também gosta de comida japonesa.Temos tudo em comum.
Em segundos, eles já tinham tudo em comum. Será que eu estava sobrando?
Ofereci mandioca frita com bacon e frango frito só. Eles comeram quase tudo.
- Vocês moram sozinhas?
Pronto. Minhas antenas cresceram.Será um assassino de senhoras gostosas? Analisei a figura: um homem médio, cara média, linguagem média, falava esses e erres, jeito médio, parecia um cara normal.
Mirinha fez aããã, com a boca cheia -com MINHAS mandiocas, o sashimi desmaiado, desprezado, jogado.
- Moramos cada uma em uma casa - falei, observando a reação do agora íntimo Chiquinho.E o senhor?
Que ridícula essa mania de uruguaianense tratar todo mundo de senhor e senhora.Mas o Chiquinho tinha cabelos brancos... Que culpa eu tenho da boa educação que papai me deu...
- O senhor está no céu- falou o coroa. Trabalho aqui perto. Venho almoçar no shopping, é uma terapia, desestressa.
Me deu uma vontade de perguntar de que família tu és...o que tu fazes...aquelas perguntas típicas que mamãe e vovó faziam...agora a gente não pode nem perguntar se é casado, pega mal...é antigo.
- Querem tomar um cafezinho no meu consultório? É pertinho daqui.Ou vamos pra casa de vocês - o Chiquinho virou Chicão.
Fiquei olhando para Mirinha. Ela continuava comendo meu frango frito, o sashimi abandonado,a Mirinha achando tudo normal. Limpou os dedos, bebeu o suco todo,olhou bem na cara do Chiquinho:
- Cafezinho? Quem quer cafezinho?
- Cafezinho, sabe como é - explicou Chiquinho,assumindo seus cabelos brancos e a camisa polo com o jacaré verde - cafezinho é desculpa, a gente pode fazer muitas coisas, tá entendendo?Você mora sozinha, tudo bem?Vamos os três.
Tudo que é safadeza me passou pela cabeça. Que vai acontecer? Estava eu dentro de uma história. Nem sei quantos tons. E a Mirinha nem me olhou. Saiu assim:
- Meu novo amiguinho, seguinte: terça e quinta é dia do Jorjão. Segunda, quarta e sexta, é o Jorginho. Sábado e domingo é dos netos et family. Já está lotado. Não tem mais vaga.
- Jorjão e Jorginho? É uma dupla sertaneja?- Chiquinho riu.
- Não, querido. São meus cuidadores. Como eu moro sozinha, eles FICAM comigo nesses dias. Sabes, cuidador de idoso? Contratados. Carteira assinada.Jorjão tem 23 anos e Jorginho, 19. Um é saltador de parapente e o outro faz judô e jazz.Meus cuidadores. Cama, mesa e banho. CAPICE?
Precisava humilhar, Mirinha? O Chiquinho murchou que nem o peixe cru. Peguei o sashimi, ressuscitei no shoyo e engoli-o,o,o. A cara do Chiquinho...
Boa história pra contar de despedida de ano.
Cafezinho...
Adeus, 2015. Mais um ano, menos um ano. Graças pelo que se foi. O que virá, será surpresa.
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